Madre Gema da Eucaristia, que recebeu o nome de batismo de Galiana Americano do Brasil, nasceu no dia 4 de abril de 1901, em Ipameri, Goiás. Era filha do Professor Antônio Eusébio de Abreu Júnior e D. Elisa Maria de Sousa Abreu. Seus progenitores eram aparentados e descendiam do maior genearca de Goiás, o lisboeta Tenente Coronel Clemente da Costa Abreu que, segundo tradição, teve muitos filhos, alguns dos quais o acompanharam para o planalto central do Brasil. Antônio Eusébio de Abreu Júnior, seu pai, goiano, estudou no Seminário de Santa Cruz, da cidade de Goiás Velha. Transferiu-se, posteriormente, para o Colégio de São Bento, em São Paulo. Ao alcançar o sub Diaconato, trocou a carreira eclesiástica e casou-se com D. Elisa Maria de Sousa Abreu. Jornalista, correspondente em jornais estrangeiros, gramático, o Professor Abreu foi, sobretudo, o plasmador de jovens gerações, de vultos de destaque que lhe renderam, ao longo da vida, o culto de gratidão pelo mestre responsável pela formação de tantos jovens da época. Madre Gema foi - ao longo de sua vida - uma educadora que começou auxiliando seu pai quando este era diretor, em Silvânia, do Colégio Bonfinense ou Colégio "Xavier de Almeida", que dava aos alunos o diploma de "bacharel-cidadão". Sua mãe - Dona Elisa - era muito bem dotada, sobrinha do grande polígrafo Henrique Silva e da qual Madre Gema falava como uma grande amiga. Dela herdara o bom coração, estampado no encanto e penetração do olhar que sabia, respeitando, ler no mais íntimo de quem se lhe confiasse. A pequena Galiana foi levada, aos três dias de nascida, numa caixa de sapatos, para uma sala de aula. Por causa de inimizades políticas em Ipameri, D. Elisa não pôde gozar a licença após o nascimento da filha prematura, que passaria a ouvir, cada dia, junto à mesa de sua mãe - professora - as aulas das classes. Interessou-se pelos estudos, em pouco tempo, e, numa precocidade muito grande, já possuía - aos sete anos - os conhecimentos correspondentes ao ensino primário. Madre Gema contava, rindo, que, no colo das meninas mais velhas, logo se improvisou a professorinha que auxiliava sua mãe nas lições de cada dia. Era irmã do grande estadista, prosador, poeta, pesquisador e historiador Professor Antônio Americano do Brasil, de que Goiás sempre se ufanou. Madre Gema da Eucaristia não lhe ficou aquém da cultura e inteligência, possuidora de uma formação humanista muito sólida. Desde cedo consagrou seus dotes de cultura e inteligência a Deus, no escondimento de uma vida contemplativa. Ingressou no Carmelo de Santa Teresa, em São Paulo, aos 23 anos de idade. Pouco antes, havia escrito para a Madre Regina da Imaculada Conceição - implantadora da reforma teresiana no antigo Recolhimento, transformado em Mosteiro de Santa Teresa - solicitando seu ingresso naquele Carmelo. Dizia-se "uma caipira de Goiás".
O estilo, a forma mas, principalmente, a humildade da carta foram sua melhor apresentação. A viagem de Silvânia à capital paulista foi feita em companhia do Frei Vicente Moreira, dominicano, encarregado de levá-la ao convento. As portas do Carmelo lhe abriram a 1° de maio de 1924, onde se destacou, como postulante, por suas qualidades exímias. Recordava, sempre, com graça peculiar, que quando D. Duarte Leopoldo e Silva levou as concepcionistas do Mosteiro da Luz para se abrigarem no Carmelo, por causa dos riscos da revolução separatista de 1924, foi escolhida para traduzir - do francês - uma leitura no refeitório. Leu correntemente e à primeira vista saindo-se tão bem, que a veneranda Madre Oliva desejou levá-la consigo para o Mosteiro da Luz.
A jovem postulante logo teve a saúde debilitada, o que levou Madre Regina a não acreditar ser-lhe possível a observância regular. A priora chegou a dirigir uma carta a seus pais que só não seguiu para Goiás porque os trilhos da estrada de ferro haviam sido retirados - por causa da revolta de 24 - fazendo, com isto, que Soror Gema permanecesse no Carmelo. Seu médico, Dr. Tarcísio Leopoldo e Silva, aconselhou à religiosa que desse o hábito à moça, pois contribuiria para sua melhora. O espírito do Carmelo, a firme doutrina de seus fundadores tornou-se o guia seguro e que a levaria à intimidade do Amor, na vida de oração e silêncio. A austeridade valeu-lhe cortar amarras para vir totalmente a Deus.
Não cabe aqui uma introspecção dos recônditos de quem teve como único móvel a procura de Deus e soube irradiar, por sua simplicidade e retidão, riqueza de personalidade. Em pouco tempo, foi escolhida para primeira Clavínia (Ecônoma), mestra de noviças e em dois triênios, foi sub Priora daquela Comunidade. No dia 12 de dezembro de 1939 - data do aniversário de Belo Horizonte - foi lançada a pedra fundamental de um Carmelo na sede Arquiepiscopal de Belo Horizonte por Dom Antônio dos Santos Cabral que, na época, era Arcebispo de Belo Horizonte. A orientação do novo Mosteiro estava a cargo de Madre Maria José de Jesus e Irmã Maria Electra, do Carmelo do Rio de Janeiro, quando D. Cabral viu recusado seu pedido de serem as Carmelitas do Rio as fundadoras mineiras. Madre Gema da Eucaristia, de saúde débil e delicada, seria escolhida por Deus - por caminhos misteriosos e secretos - para a empreendedora de seus desígnios. Seria do Carmelo de Santa Teresa, de São Pau1o, a religiosa fundadora do primeiro Mosteiro de Monjas contemplativas carmelitas, em nossa cidade da Belo Horizonte, inaugurado no dia 16 de julho de 1941 . Sua saúde débil e delicada foi a resposta dos superiores paulistas quando a Srta. Lali Bueno Salles transmitiu-lhe o desejo de tê-la para Priora da nova Fundação. Mas "Deus escolhe os fracos para confundir os fortes" e assim, concedidas as Licenças, Madre Gema se surpreendia de que lhe fossem dadas forças que até então não possuía. Confessava que sua divisa de "Amar e sofrer" seria doravante "Amar, trabalhar e sofrer" para imprimir em outras almas o espírito carmelitano, sob forma tão querida ao coração de Sarna Teresa, que deixou às filhas o apanágio da oração por aqueles que trabalham na dilatação do reino de Deus e defesa da Igreja. Madre Gema queria o Carmelo de Nossa Senhora Aparecida uma "Betânia", onde Nosso Senhor encontrasse o reconforto e dedicação do amor.
Com a solene inauguração a 16 de julho de 1941, iniciava-se a primeira página escrita por Madre Gema nas Crônicas do Mosteiro, que em sua fase de preparação foram confiadas ao Prof. Dr. Christovão Colombo dos Santos. Este, com Monsenhor Messias e o Sr. Ferreira Gonçalves, formavam a pequena trindade sobre a qual se assentaram as bases da Fundação. "A Domino factum est istud et est mirabile in oculis nostris" (Sl. 177). Madre Gema queria tornar indelével às gerações futuras o testemunho de suprema homenagem e louvor de Deus, numa obra surgida quase miraculosamente, dadas as exigüidades de recursos e de tempo em que foi levantada. Priora em triênios sucessivos, teve em mãos a formação do Carmelo. Cada uma de suas filhas guarda como gratidão o que recebeu nesses anos felizes e também seu heróico exemplo de obediência, de escondimento, de aceitação plena da Vontade divina, quando o sofrimento sempre maior a foi levando à consumação de seu holocausto. Quando, em novembro de 1940, Madre Gema recebeu a designação oficial para Priora do Carmelo de Belo Horizonte, D. José Gaspar de Afonseca e Silva, fazendo recomendações em que se revelava todo o seu carinho, disse-lhe: "Minha filha, tome muito cuidado na formação deste Carmelo, que está destinado a ser o centro, o ponto de partida de muitos outros" Confirmou-se o presságio. Foi-lhe pedida a fundação do Carmelo Imaculada Conceição, de Divinópolis, forneceu bom contingente de Religiosas para o Carmelo Maria Mãe da Igreja, de Olinda (hoje em Recife) e poucos dias antes do falecimento soube, com alegria, da autorização pontifícia para um Carmelo a ser estabelecido em Montes Claros e outro em Sete Lagoas.
Se suas obras a louvam, onde mais se notou o carisma de sua grande personalidade foi na capacidade de amar, de deixar-se amar, de comungar alegria e dor alheias. Atraía com a extrema simplicidade que tornava transparente a irradiação de sua pessoa. Sabia levar para Deus quem dela se aproximasse e sempre disponível, acolhia a todos, mesmo quando pouco podia falar, devido ao grande cansaço a que seu estado pulmonar a reduzia, nos últimos tempos. Assim mesmo gostava de receber os amigos, sabia o preço da amizade e soube valorizar cada pessoa imensamente. Transmitia com sua presença e oração, aos corações aflitos, atento consolador e força divina. Desde 1954, quando parecia ter chegado a sua última hora, por um choque anafilático, em conseqüência de medicamentos, Madre Gema sofria de uma bronqueacatasia crônica, que nos últimos anos foi trazendo implicações cardíacas. Muitas vezes foi hospitalizada na Fundação Benjamin Guimarães, Hospital da Baleia, que, mesmo ao se tornar exclusivamente de Pediatria, a recebia como exceção. Muito lhe devem as carmelitas, tanto às Religiosas Franciscanas Missionárias de Maria, seus dirigentes, como ao corpo médico, enfermeiras e demais funcionários daquela entidade que, na pessoa de seu Diretor, Dr. Ernesto Ayer Filho, diziam-se felizes em recebê-la a tinham-na como uma grande amiga. À sua oração confiavam cuidados maternais por seus problemas e doentes. Lá, faleceu na manhã de 23 de janeiro de 1977. Fora ungida mais uma vez no dia 12 do mesmo mês pelo Sr. Arcebispo. Sua participação na Cruz ia tomando proporções incomensuráveis, e com muita lucidez acompanhava o agravamento de seu estado. Naquele domingo, ainda, se levantara por duas vezes. Muito mais cansada e ofegante, não se podendo prever o desenlace tão próximo. Vendo-a pior, as filhas que a acompanhavam recitaram mais uma vez a Salve Rainha - sua prece preferida e que pedira fosse recitada em tantas outras ocasiões parecidas! Mas logo pendeu a cabeça e deu o último suspiro. Foi tudo tão rápido! A alma estava preparada para ir ao encontro de seu Deus, profundamente desejado.
Quem primeiro deu a notícia foi D. João Resende Costa, na Missa transmitida pela televisão. Conduzida ao Carmelo pelo Diretor e Religiosas da Fundação e pelas filhas que lhe faziam companhia, logo no Coro das Religiosas deu-se inicio à Missa de corpo presente. D. Arnaldo Ribeiro que a celebraria justamente naquela manhã, como bondosamente programara, no quarto do Hospital, cumpria agora outros planos divinos. À homilia fez alusão às mãos cheias com que Madre Gema devia apresentar-se diante de Deus. No dia seguinte, nosso caríssimo Arcebispo D. João Resende Costa, na Concelebração Eucarística que procedeu o enterro, recordou as excelentes virtudes de Madre Gema da Eucaristia, a veneranda Mãe e Fundadora do Carmelo Nossa Senhora Aparecida, de Belo Horizonte. Cumpria -se o que ela escolhera como lembrança para sua Tomada de Hábito: "Bem-aventurados os chamados para a Ceia Nupcial do Cordeiro." (Apc 19, 9) Madre Gema da Eucaristia, chamada por todas as filhas religiosas de "nossa mãe", foi sepultada no Cemitério do Bonfim, na presença do Dr. Galeano Americano do Brasil.
A história do Carmelo Nossa Senhora Aparecida, no alto do Progresso, mais tarde Vila Formosa, está intimamente ligado a duas figuras: Monsenhor Messias de Senna Batista e Madre Gema da Eucaristia, fundadora e orientadora do Carmelo. Ambos exerceram grande influência espiritual em Belo Horizonte.