Cartas

Cartas da Madre Gema a Teresinha Froes

Há  nos arquivos do  Carmelo Nossa Senhora Aparecida uma caixa com o seguinte rótulo: PRECIOSIDADES. Esta caixa contém diversas cartas, bilhetes e recordações de Madre Gema, fundadora do primeiro Carmelo mineiro. Outra caixa, lacrada com um barbante já bem desgastado, traz a seguinte recomendação: “Cartas para serem entregues no Carmelo, depois de minha morte. Teresinha”.  O que fazer com estes manuscritos tão preciosos ao Carmelo? Será que eles interessam somente às Carmelitas?

Este vasto material manuscrito começa a ser catalogado. As monjas têm consciência de que estes escritos são de grande importância para o resgate histórico e espiritual  da figura de uma Carmelita ímpar. Pretendemos publicar aqui, aos poucos, alguns manuscritos, por enquanto sem ordem cronológica e sem nenhum critério historiográfico, na esperança de que estas cartas possam trazer benefícios espirituais,  para aqueles que desejam conhecer um pouco a alta espiritualidade que nutriu a vida de Madre Gema. Algumas cartas foram escritas quando Madre Gema ainda morava no Carmelo de São Paulo.

Começaremos a disponibilizar algumas cartas dirigidas à Srta. Teresinha Froes, contidas naquela caixa envolta no barbante.  Teresinha foi uma jovem que aspirou abraçar a vida carmelita e não pôde ser admitida  por problemas de saúde. Madre Gema, como verdadeira mestra espiritual, acompanha Teresinha de forma afetuosa e firme. Sofre a Madre porque  não pode, por dever de consciência, acolher a jovem no Carmelo.  Mas tem sempre palavras de consolo que ajudarão a jovem a não se desesperar.

Para facilitar a leitura, transpomos  a ortografia da época para a atual.  A caligrafia de Madre Gema é bonita, escreve de forma elegante e correta, mas certas letras não  são de fácil entendimento. Temos esperança de que o  cuidadoso manuseio dos originais e a convivência com os mesmos irão   facilitar  a leitura e a meditação de textos tão preciosos, que não podem se perder.

Ainda é cedo para se fazer um estudo das idéias mestras da ilustre Carmelita. Tudo a seu tempo. Por ora, algumas pequenas gotas, umas pequenas palavras resplendentes  de santidade, a serem sorvidas sem pressa. O leitor atento ficará impressionado com o realismo de Madre Gema, que já nas primeiras cartas alerta sua orientanda a respeito dos perigos de um misticismo alienante. Por outro lado, há trechos de altíssima espiritualidade, nos quais a Madre revela-se verdadeira discípula da Santa Madre Teresa de Jesus:   uma mulher prática, empreendedora, realista  e senhora de um  coração totalmente mergulhado em Deus. 



Carmelo, 22.4.1940

Minha irmãzinha.

Viva Jesus!

Refiro a N. Senhor o bem que você me diz ter recebido por intermédio de minha última carta. A glória do artista não está precisamente na perícia de que dá provas, quando faz uma linda obra, servindo-se de um mau pincelzinho, já velho e descabelado?

Não tenho a mínima pretensão de ser outra cousa entre  as mãos queridas do nosso Jesus, pois estou certa de que só Ele tem bastante forças para atuar nas almas. Se a graça não estivesse oculta nas minhas pobres palavras, de que serviriam elas? Garanto que há muito tempo você já conhecia a verdade que a minha carta lhe recordou... No entanto, minha irmãzinha, sou feliz de ser escolhida para levar ao seu coração um raio de alegria e de quente animação.

Não gosto dessa piedade choramingadeira e doentia, que parece por no mesmo plano o amor de Deus e as fantasias do sentimento. Amar fortemente é realizar o programa traçado por Deus a Abraão: “Anda na minha presença e sê perfeito”. O nosso erro está em torcer o sentimento das coisas... Encontrei ontem, na minha leitura, uma passagem que me fez lembrar de você. Vou copiá-la tal qual, para que você mesma veja como se aplica perfeitamente ao seu caso.

Estranhei você não dizer nada sobre o Carmelo de Belo Horizonte. Até aqui, guardamos reserva a esse respeito em relação a você. Não por falta de interesse, mas simplesmente porque desejávamos ficar fora da questão. Foi a atitude que mantivemos, até que a vontade de N. Senhor fosse manifestada. Agora, podemos falar livremente. As fundadoras não foram designadas ainda e mesmo a Comunidade ignora que a fundação vai sair daqui. O Sr. Arcebispo achou melhor guardar reserva. Estamos cuidando das coisas necessárias. Levei bem 15 dias cortando corporais, amitos, sanguinhos, etc. Tudo há de ser bem bonitinho para Nosso Senhor. É preciso que você reze bem. Dia 1o. de maio, vou entrar em retiro, até dia 12. Já é retiro para a Comunidade, porém o meu é especial e fa-lo-ei fechadinha. Reze por mim, peça a N. Senhor que fale ao meu coração.

 Adeus. No Coração de Jesus, o carinho da sua

 Irmã Gemma.

 

Carmelo  12.4.1941

Minha sempre querida filhinha.

Viva Jesus!

Estamos ainda no Sábado santo. Como não sou mais Sub-priora, o dia todo foi meu e pude assim escrever ao nosso pai, aos nossos dois irmãos e aos meus dois arcebispos. Agora venho passar um momentinho junto de você, depois de ter lido a sua carta. Minha filhinha, você disse uma verdade profunda, ao escrever que é fácil discorrer sobre o sofrimento, porém é difícil passar por ele... No entanto, sinto que o meu coração compreendeu o seu, talvez porque os laços que nos unem são os mais íntimos. Dizem que as mães sentem as dores dos filhos e sei de uma pobre mãe ( a minha ) que durante muito tempo sentiu na fronte a dor de 5 balas que fizeram saltar os miolos de um filho querido, assassinado na força da vida. Se assim é, minha Terezinha, deixe-me dizer que o seu sofrimento passou pelo meu coração e fui eu a primeira a aquilatar-lhe a grandeza. Você não sabe o que é fazer sofrer uma pessoa querida... Eu mesma jamais poderia pensar que fosse uma coisa tão rude. Teria dado tudo para não escrever aquelas cartas, mas esse tudo N. Senhor pedia era justamente o sacrifício. Agora vendo-a sofrer, meu coração sangra. Compreendo as revoltas que você me confessa e sofro de pensar que você as sente, não por achar que elas constituem uma ofensa a N. Senhor mas porque são um gênero de martírio para o qual não existe remédio humano. Que poderá minha pobre palavra se o jogo que calcina o seu coração é o próprio amor que o encanta e é a sua vida? Para certas almas mais queridas, N. Senhor tem exigências que escapam a nossa compreensão. Ele a conduz a despojamentos estranhos, que atingem os próprios despojamentos que a alma julgava perdidos por Deus. Você queria o Carmelo para imolar-se por N. Senhor, e eis que ele prefere que a "hóstia" desse sacrifício seja o próprio desejo da imolação... Seria incompreensível para quem não crê na Providência divina, que rege e governa a nossa vida, em suas menores circunstâncias. N. Senhor sabe porque faz assim, e a alma aceita de olhos fechados as suas decisões por duras que pareçam... (...) São caminhos misteriosos, que escapam ao nosso entendimento. Santa Gema Galgani teve também o mesmo martírio de querer a vida religiosa, sem jamais conseguir alguma. Naturalmente, não quero com isto dizer que você deve matar na sua alma a sua vocação. No entanto, sou muito sincera a seu respeito, para esconder-lhe as dificuldades que você encontrará para entrar em outro Carmelo. Conversaremos melhor aí, filhinha. Estou pronta para fazer tudo por você. Nem de longe você deve pensar que eu possa querer afastá-la do nosso Carmelo, pelo fato de recusar admití-la. Pelo contrário, conto com a sua dedicação, que nos será preciosa, sobretudo nos primeiros tempos. Aliás, mesmo se N. Senhor quiser escondê-la em um outro Carmelo, não estou disposta a perder os meus títulos de mãe... Agradeço-lhe as orações que fez por mim durante o meu retiro. Elas foram uma força poderosa para minha alma, pois tive um retiro de puro sofrimento, Foi uma graça de cruz, cujos frutos serão recolhidos pelo querido Carmelo mineiro... Estou acabando esta carta no Domingo de Páscoa. Que Jesus ressuscite na sua alma, minha filhinha, e lhe dê as alegrias do seu divino Coração. N' Ele, o carinho da sua

Ir. Gemma

r.c.i.


 

  Carmelo, 23.5.1941

 Minha Teresinha.

Viva Jesus!

Por certo você não contava mais com umas cartas encantadas, não? Perdoe-me, não tive mesmo o tempo necessário. Aliás, como sei que você sabe esperar, achei que podia dar-lhe exercício... Mas, enfim aqui estou para passar junto a você a hora do recreio da noite, neste primeiro dia de retiro. Colhi para nós uma florzinha bem linda: “Os sofrimentos do tempo nada são, comparados a uma eternidade feliz... Só os  transfigurados sabem sofrer”. Essa palavrinha do Pe. Olivaint é misteriosa, veja se N. Senhor lha torna luminosa, dessa maneira de que só Ele possui o segredo. Saber sofrer é uma ciência mais difícil do que se pensa, porque supõe uma compreensão de Deus que não é de todos. “Só os transfigurados sabem sofrer”. Creio que a graça deste retiro de Pentecostes veio encerrada nessa palavra, pois de certo já encontrei muitas vezes, sem dar a importância de que hoje N. Senhor a reveste... Espero que você também encontre nelas um alimento para sua alma. Saber sofrer não é querer sofrer sem sentir. Certamente N. Senhor pode dar a quem quiser a graça de não poder sofrer, porém isso já não pertence ao terreno das realidades da vida. Ele próprio sofreu na sua agonia no Getsêmani e na sua Paixão... Só temos que olhar para o divino Modelo: Ele aceita o sofrimento e não afasta nenhuma das humilhações e das ignomínias, não perde a calma... O que nos impede o aproveitamento na ciência  do sofrer é a falta de um espírito de fé bem profundo, que nos mostre em tudo a vontade de Deus. Se a reconhecemos por instantes, essa vontade adorável, não temos a constância de fixá-la através de tudo e por isto caímos   no natural... vemos o que é nosso e não o que é divino em nós. É o triste segredo das revoltas, dos desânimos, das perturbações e das angústias íntimas das nossas horas da paixão. Pensamos muito em nós, aumentamos, exageramos o nosso sofrimento...

Minha filhinha, estava neste ponto quando recebi as cartas suas, de 20 e 22. Tive vontade de rasgar o que escrevi, porém achei melhor deixar ir esse sermão, mesmo com o risco de ajuntar feridas sobre feridas. Diz o adágio que “pé de galinha não mata pinto...”  Assim, você não irá sofrer com o que escrevi, não é? Compreendo muito bem que você sofra tanto, tendo de sustentar essa contradição inexplicável entre as suas aspirações e a dura realidade. Estou certa de que N. Senhor assim o permite para acrisolar a sua alma e purificá-la do que pode haver de imperfeito no seu desejo do Carmelo... Sim, mesmo aí pode entrar a natureza, e o olhar do Esposo divino não pode suportar manchas nas almas escolhidas. Eis porque Ele prova, fere, bate, queima...  No fim tudo se resume em amor. Tenho pensado muito no seu caso e repasso no meu coração as possibilidade de encaminhá-la para um outro Carmelo. Para N. Senhor, nada é impossível. Nossos olhos só  distinguem dificuldades, porém Ele possui o segredo de dirigir os acontecimentos segundo a sua divina vontade. Fique calma, não convém deixar a sua fantasia trabalhar demais, pois você tem uma alma ardente... Procure fixar-se  na vontade de N. Senhor, para querer tudo, mesmo o sacrifício que você mais teme. “Ele é o Senhor...”  Estou pedindo ao Espírito Santo que seja para você esse “Consolador excelente”, que derrame a paz e a felicidade mesmo nas terras ressequidas de um coração que sofre. Não tenha receio de depositar as suas amarguras no meu coração. Elas não podem exceder a medida marcada por N. Senhor e, por conseguinte, não pode Jesus transbordar a taça. Aquela célebre cartinha de Março foi o começo de uma série de sofrimentos que N. Senhor me mandou. De todos os modos Ele espremeu o pobre baguinho de uva, para provar o que havia dentro... Veja que não foi você a causadora de meu sofrimento, que foi previsto por aquele que me destinara eternamente a medida de forças de que eu precisava para não ficar afogada nas minhas dores... Experimentei o sabor doce-amargo de sofrer, sem um ponto de apoio, sem nenhuma consolação sensível. Felizmente, algumas cousas flutuam por cima das águas amargas. Tive bastante calma para oferecer tudo a N. Senhor, para alcançar ao nosso querido Carmelo a perfeição que lhe desejo. Para mim, como para você, tudo se resume em amor... Meu físico sentiu um pouco o contra-golpe, porém já estou boa, graças a N. Senhor.

Tive de interromper esta carta para dar ao nosso “engenheiro de Nossa Senhora” uma resposta urgente. Hoje estamos no dia 26, 4o. dia do retiro. N. Senhor tem sido imensamente bom para mim, pois tenho tanto descanso do espírito como se não tivesse diante dos olhos as mais sérias perspectivas: eterna separação, peso esmagador da responsabilidade do cargo de priora, etc. De boa vontade eu direi com São Paulo: “Quem poderá me separar da caridade de Cristo?” O essencial é que a minha preparação para a cruz seja uma transfiguração em Jesus. O Pe. Olivaint continua a fornecer-me belos pensamentos sobre essa transfiguração  necessária aos superiores. Encontro nesse Padre idéias que se ajustam perfeitamente ao meu modo de pensar. Eis, por exemplo, um pedacinho que é característico: “É preciso que a cruz seja plantada na comunidade, para reparar as faltas, para desviar a cólera de Deus, para atrair as graças. Mas o verdadeiro solo onde a cruz deve ser plantada em primeiro lugar é o coração do Superior... é esse o seu privilégio, pois a ele compete ser vítima”. Não é o eco daquilo que N. Senhor disse: “O Bom Pastor dá sua vida por suas ovelhas”? Fiquei muito contente de ver assim autorizada uma idéia que sempre tive. É sob esse aspecto que quero olhar o meu cargo, tão difícil, tão acima da minha fraqueza.

Falemos agora de nossa chegada aí. Ainda não sei bem como será , porém conto com uma visita particular às obras, antes da inauguração. Peça ao nosso Pai a permissão de acompanhar-nos. Se ele lha der, a minha lhe é assegurada desde agora. Mas... guarda bem o necessário segredo, porque essa visita precisa ser toda íntima. Se houver muita gente, ficaremos sem liberdade, você não acha? Quanto à sua pergunta a respeito do que poderá caber-lhe no dia da inauguração, só posso dizer-lhe uma coisa, pois ignoro o programa que vai ser seguido: desejo muito que a clausura seja fechada logo em seguida. Se assim for, nenhuma pessoa poderá ser admitida lá dentro. Ficarei muito contente se você e Adélia ajudarem bem a nossa Laly no arranjo da casa. Penso que você terá gosto nesse trabalho, apesar dos sofrimentos... será um doce suplício para o meu coração. Se você tiver acabado aquele terninho bordado cujo desenho completo lhe enviei, poderá prepará-lo para servir na missa do dia da inauguração. De certo você sabe o que é preciso fazer com o corporal, não é? Não se esqueça de pedir ao nosso Pai que o benza previamente. Os outros trabalhinhos, se você quiser entregá-los lavadinhos e prontos, está claro que ficarei contente. Pode fazer a rendinha, de que fala. Fiquei muito descontente com as rendas que Laly encomendou no Ceará. Vieram feias e grosseiras... se não fosse faltar à santa pobreza, não teria coragem de empregá-las. Para N. Senhor nada pode ser bastante bonito, você não acha? A ir. Maria Ângela e eu trabalhamos bastante. Você não imagina a minha alegria ao saber que o nosso Pai ficará nosso Capelão. Nem podia acreditar que fosse verdade. Ao ver o carinho de N. Senhor para com o Carmelo mineiro, digo como os parentes de São João Batista: “O que será desse menino?” Essa última graça foi o remate de todas as outras. Nem tenho palavras para exprimir o meu reconhecimento. Gostei de saber que você está lendo a vida de Ir. Maria Amada. Ótima leitura para você. O nosso irmão Dr. Christovam mandou-nos o Retiro de Pentecostes. Sabia da existência dele, mas não o conhecia. A M. Raymunda tem um dom especial para falar e escrever de N. Senhor. Adeus, minha filhinha. Foi bem feita a nossa despedida, não? Espero logo abraçá-la.

Carinhosamente,

Ir. Gemma

 



 

Carmelo, 5.3.1943

Minha querida filha

Viva Jesus!

Já esperava ansiosamente uma cartinha sua, dando-me as primeiras notícias. Continue a olhar para bem alto, minha filha, não deixe os seus olhos ficarem fixos nas mesquinharias da terra, que só servem para inquietar o coração. N. Senhor há de sustentá-la invisivelmente no meio de todas as dificuldades presentes e futuras. Receba cada manhã a “hóstia” da vontade de Deus e não a deixe sozinha no coração... é preciso que a sua influência faça mover as suas vontades e a torne perfeitamente dócil a todos os movimentos que N. Senhor quiser imprimir-lhe. Nessa disposição, você pode enfrentar as dificuldades todas, sem nenhum receio, porque N. Senhor fará milagres por você. Sua carta consolou-me deveras, porque pude ver por ela a sua disposição de inteiro abandono. Que N. Senhor a conserve sempre assim. Estou à espera de outra carta, antes da 4a. feira das Cinzas. Se você tiver alguma precisão, pode escrever-me, mesmo na Quaresma, sim?

Hoje estamos em retiro, estou furtando de N. Senhor o tempo de escrever-lhe estas palavras, porque minha vida é apertadinha, agora nestes últimos dias. Para completar, o dentista está entrando, duas vezes por semana. Bendito seja Deus! Durante os três dias de “loucura” do mundo, vamos ficar bem fechadinhas na fortaleza do coração de N. Senhor, a fim de estarmos bem atentas a todas pequenas ocasiões de causar-lhe alguma alegria. Olha lá, você não pode chorar... o coração cheio de amor, esquece as tristezas próprias, para doer-se das penas do objeto da sua aflição. É o que dará força a minha filha. Fiquei contente com a esperança da idade de um padre para aí. Veja nisto um sinal do carinho de N. Senhor para com você, pois a coincidência não pode ser obra do acaso. Junto de um sacrário, tudo se torna doce, não é?

O sino de Vésperas já vai tocar. É preciso que eu me despeça de você. Isto é um modo de falar, porque o Coração de N. Senhor nos une estreitamente. Não se esqueça de rezar por Ir. Maria Bernadette, no dia 25 vai fazer os primeiros votos. O hábito de Maria José é no dia 4 de abril.

Que N. Senhor a abençoe e guarde no fundo do seu divino coração. Adeus, minha filhinha.

Em Jesus, uma bênção da sua

Irmã Gemma

 

Carmelo, 25.3.1943

Última data: 26.3.43

Minha filhinha.

Viva Jesus!

Imagino que você deve estar esperando uma cartinha, não é? Não foi por falta de vontade que não escrevi. Quando me lembro do seu isolamento, fico cheia de pena e, se pudesse, voaria muitas vezes para junto de você. Mas... o eterno mas. Não consigo mais por em equilíbrio a minha correspondência, que está num atraso muito grande. Bendito seja Deus! N. Senhor deve estar contente de você, minha filha, pois Ele gosta de encontrar nas almas a generosidade... Amar, é Jesus a vontade de Deus (?). Outra  qualquer forma de amor é antes negação do amor. No meio das dificuldades crescentes que você encontra no seu "exílio", sua alma vai ficando forte, vai apurando o amor e aprendendo a confiar. Eu compreendo o que você sofre e, sobrenaturalmente, fico contente de vê-la triturada, porque antevejo o bem da provação. Tenha coragem, trabalhe, lute com generosidade. Tudo isso passa, e só ficará o amor...

Achei interessante o seu pai querer também uma herança da capelinha. Diga-lhe que só ficarão inutilizados os véus do sacrário. No entanto, se ele quiser qualquer outra coisa, repartiremos a nossa pobreza. Olha, não tenho certeza, mas acho que não se pode fazer corporais e sanguinhos de linho que já serviu para outra coisa. Vou arranjar para o Jesus daí um terninho. Pode-se mandar pelo correio? Já estão bentos.  N. senhor faz milagre para contentá-la, ouça-a: eu não tinha mais nem um exemplar da oração de Elizabeth da Trindade. Estava triste de não ter, para você dar ao Sr. Cônego. Pois não é que a dois ou três dias recebi 4, mandadas por um Beneditino do Rio? Fiquei tão contente... Gostaria de escrever mais, porém resta apenas 1 minuto e ainda tenho de fazer 1 bilhete para Letícia. Adeus. Peça ao Sr. Cônego uma benção para mim. Lembranças à Catarina e Mariquita. Em Jesus, o carinho da sua

Ir. Gemma

r.c.i.  


Carmelo, 13.1.1939

Minha filha:

Viva Jesus!

Já estava achando bem estranho o seu silêncio, pois só foi no dia 6 ou 7 deste que recebi sua carta. Cheguei a pensar que o Menino Jesus lhe trouxera de presente a cruz de alguma doença. Felizmente, você só me dá boas notícias, pois incluo nesse número a graça de desnudamento espiritual que recebeu durante o santo Advento. Creia que sua preparação para o Natal não pode ser melhor, pois Jesus associou-a aos seus aniquilamentos inauditos... Ele, Deus Eterno, passa por todas as condições às quais somos obrigados por nossa qualidade de criaturas, sem dispensar-se nem mesmo da fraqueza que caracteriza as crianças ordinárias! É um mistério sem fundo e não há nenhum aniquilamento  que a ele corresponda cabalmente. Além disso, a fé constitui nosso melhor presente a esse Deus-Menino... Crer, amar e adorar, sem nada sentir ou mesmo lutando com tentações penosas, que pode haver de mais meritório? Quando tudo se reveste de aspectos consoladores, recebemos os mimos do nosso Deus. Mas, quando é preciso ir a Ele de olhos fechados e coração frio, então é nossa vez de dar... E o amor gosta mais de dar do que de receber, não é?

O Natal do Carmelo foi, como sempre, muito simples e muito calmo. A morte do nosso bom Pai tirou-nos parte da alegria dos outros anos... Que faremos de bom para Jesus durante o novo ano? Vamos abraçar tudo, resumindo nosso programa na disposição única de querer sua santa vontade, em tudo e por tudo. Adeus, minha filha, vivamos sempre sob o sol que aquece nossas almas e as torna felizes, apesar de todas as sombras do nosso exílio...

Deixo-a aos pés de Jesus-pequenino, sob o olhar de N. Senhora.

Ir. Maria de São José.


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