Quais são as grandes orientações espirituais de Santa Teresa em matéria de pobreza, que, arrancando do século XVI, sejam válidas para suas filhas carmelitas do século XXI?
Primeira consideração: Cremos que uma boa maneira de captar o que há de original e essencial - e por tanto, sempre atual - na concepção teresiana da pobreza, é sublinhar o que chamamos sua vertente "apostólico". O que entendemos nós com essa expressão?
Na linguagem moderna essa palavra pode ter um duplo significado:
- Um primeiro, mais extenso, é o sentido "apostólico", que é tudo o que concorre para a obra divina da salvação do homem. Neste sentido, é apostólica uma pessoa ou comunidade que se propõe a imitar a vida dos apóstolos.
- O segundo significado indica a maneira peculiar de pobreza, seu "estilo próprio": Para que essa pobreza seja um instrumento eficaz de salvação, tem que parecer-se o mais possível à que Cristo "aconselhou" a seus apóstolos, convidando-os a levá-la à prática.
1) Ser pobres como os apóstolos para "ajudar' a Cristo em sua obra de salvação.
O gênero de vida proposto por Teresa a suas irmãs é de finalidade essencialmente apostólica (no primeiro sentido). Para Teresa a "vida contemplativa" é um meio de trabalhar na salvação das almas. ( "E se vossas orações e desejos e disciplinas e jejuns não forem empregados no que acabo de dizer, não estais cumprindo o fim para o qual o Senhor vos juntou aqui".)
Os únicos meios que Teresa pode oferecer a suas irmãs para alcançar este objetivo são os da vida contemplativa, e que ela resume em um só: a "ORAÇÃO".
Para que a oração das Carmelitas possa ser escutada por Deus, deve partir de uma vontade que, no mais profundo do seu ser, se identifique com a vontade do Pai.
E qual será o meio, para se obter este objetivo? Será sempre o cumprimento fiei dos mandamentos, como diz a própria Santa Teresa: "seguir os conselhos evangélicos com toda a perfeição que eu pudesse e procurar que estas pouquinhas que estão aqui fizesse o mesmo" (C 1,2).
Para Teresa está claro que o "conselho" de Cristo por excelência é o da pobreza.
2) Em que consiste o estilo de pobreza vivido pelos Apóstolos?
- Consiste na imitação da pobreza de Cristo.
- Concretamente, isto significa para Teresa voltar à Regra primitiva do Carmelo, que estabelecia precisamente um estilo de pobreza totalmente "apostólico".
a. A imitação da pobreza de Cristo
O pobre que Teresa contempla em Jesus é aquele que a Escritura designa com o nome de Servo de Javé; aquele que recapitula em si mesmo e leva a sua última perfeição toda a justiça e santidade dos pobres de Javé, sobretudo de Maria, a Mãe de Jesus, rainha dos Anawim: "Muito te desatinará, filha, se olhas as leis do mundo. Põe os olhos em mim, pobre e desprezado dele". ( R. 1570,Toledo)
Jesus foi pobre desde o momento de sua concepção no seio de Maria sua Mãe. Depois quis Ele nascer em Belém na mais completa desnudez. (C 2,9). Teresa gosta de apresentar a suas irmãs o mistério insondável da pobreza de Deus feito homem, falando-lhes das "lágrimas do recém-nascido, da pobreza de sua mãe, da dureza do presépio, do rigor do tempo e da falta de acomodação do estábulo". (Entretenimento nas carmelitas de Valladolid, a vigília de natal, 1568, Reforma).
Durante sua vida pública, não tendo Cristo onde repousar a cabeça, teve que contentar-se, muitas vezes, com o dormir ao relento.
Porém, o ponto culminante da pobreza, Cristo o alcança, quando morre na cruz totalmente nu e abandonado de todos. Este mistério se prolonga admiravelmente na Eucaristia (F 3,13)
b. A imitação da pobreza dos Apóstolos
Os apóstolos foram os primeiros imitadores da pobreza de Jesus. Eles nos oferecem um modelo por excelência, inspirado diretamente por Cristo.
Eles constituem, com Jesus, o novo povo de Israel dos verdadeiros Pobres de Javé.
Jesus lhes pede (aos Apóstolos), que se abandonem sem reservas á Providência divina em tudo o que concerne sua subsistência material (C 2,2)
c. Pobreza "apostólica" da Regra primitiva
A Regra do Carmelo, sobretudo no tocante à pobreza, incumbe a cada um que trabalhe para ganhar o seu pão (Cons 2,6), com referência explícita ao ensinamento de São Paulo; com obrigação de pôr tudo em comum.
Na Regra Primitiva, está uma reprodução exata da pobreza apostólica, condição necessária para que a oração das carmelitas (aquelas primeiras do Carmelo São José de Ávila) possam ser ouvidas.
Para Teresa há uma correspondência absoluta entre o cumprimento dos conselhos evangélicos e a Regra (ef. C 1,24 e V 32,9).
Fundamento Básico: Abandono Absoluto à Providência
A medula do conselho da pobreza, dado por Cristo a seus Apóstolos, consiste em entregar-se incondicionalmente à Providência divina, sem inquietação e com absoluta confiança (Cf Mt 6, 25-33)
Para Teresa, este texto do Evangelho fundamenta a sua maneira de entender a pobreza (Cf R 1,21; C2,2; CE 61,1 e Cons 2,1)
1. Fundamento da atitude de abandono
a. Tudo pertence a Deus e tudo vem dele. Ele é o Senhor das rendas e dos rendeiros; por isso, tudo o que recebemos, dele recebemos. Por isso também, a nossa gratidão aos nossos benfeitores, mas, sobretudo, a Ele que é o nosso Benfeitor por excelência.
b. Deus nos dá tudo aquilo de que precisamos. Isto se fundamenta no que Santa Teresinha chamará com a maior simplicidade "a maneira de ser de Deus".
Seu amor. Todo o pensamento da Santa está profundamente impregnado da idéia da solicitude infinita do Criador por todas as suas criaturas e muito particular por aquelas, que, como as carmelitas, não têm outro desejo que o "buscar o Reino de Deus e sua justiça" cumprindo em tudo a vontade de seu Filho. Teresa atribui a Cristo - o mesmo papel do Pai - . Não é Ele o seu Esposo por cujo serviço abandonaram tudo: pais, riquezas, honras, amigos? "Olhos em vosso esposo; Ele vos há de sustentar" (C 2, 1)
Sua sabedoria. Sendo Ele a "Sabedoria mesma" (V 27,14), sabe melhor que nós o 'que nos é necessário (CV 17,7), e os meios mais convenientes para nos dar aquilo de que precisamos.
Sua onipotência. Basta que o servo se contente com fazer o que seu Senhor espera dele, sem se preocupar por nada do mundo para sua própria subsistência.
A fidelidade a sua promessa. No Sermão da montanha Jesus nos revelou o rosto de Seu Pai celestial, que se preocupa por seus filhos, atendendo as suas necessidades para viver. E Teresa continua: "Verdadeiras são suas palavras; não podem faltar; antes faltarão o céu e a terra' (C 2,2).
2. Verdadeiro significado da atitude de abandono
a. Dois textos da Santa mostrando como convém entender, e sobretudo viver, com clareza, esse abandono à Providência:
"Queria falar com quem me ajudasse a crer assim, e não ter preocupação com o que hei de comer e vestir, senão deixá-lo a Deus" (Primeira Relação, 1560). "Não se entenda que este deixar a Deus o que é necessário seja de maneira que não o procure, porém, que não seja com preocupação, ... (R 1,21).
O outro texto, de sentido mais geral, se refere à essência mesma do que ela chama de "pobreza espiritual" (C 2, 3. 5) "Não digo eu que o deixe, senão que o procure, se for bem... Porque o verdadeiro pobre tem em tão pouco estas coisas, já que, algumas coisas as procura, jamais se inquieta, porque nunca pensa que há de faltar, e que o falte, ... tendo-o por coisa acessória e não principal e, como tem pensamentos mais altos, a força dos braços a ocupa em algo mais elevado". (CE 66,7).
b. Como entender o abandono?
Fazer tudo quanto depende de nós. O verdadeiro abandono não pode significar descuido, imprevisão, atitude irresponsável, passividade. "Ajuda-te e o céu te ajudará". Isto significa que a Providência divina não nos dispensa de trabalhar nos seguintes pontos: previsão e esforço para ganharmos o nosso pão de cada dia.
Porém não devemos nos inquietar. Há uma inquietação boa e outra má. A boa é a que busca os "bens verdadeiros", as "verdadeiras riquezas", quer dizer, "O Reino de Deus e sua justiça", em uma palavra, o mesmo Jesus: "Ó Riqueza dos pobres, e que admiravelmente sabeis sustentar as almas!" (v 38,21). Este é o tesouro escondido que temos de buscar com todas as nossas forças, sem cansar-nos nunca (5M 1,3), e que nos faz morrer de gozo quando chegarmos a descobri-lo (V 38,20). A inquietação má é a que busca com afã e perturbação interior as riquezas materiais, supérfluas. Esta provém da falta de fé, e de dois modos diferentes:
Em primeiro lugar, por dar importância ao que não deveria tê-la.
Em segundo lugar, por esquecer a promessa do Pai celestial de não abandonar jamais a seus filhos.
Conclusão
O que as carmelitas têm que buscar a todo custo é a paz interior, tão necessária para a sua vida contemplativa.